terça-feira, 21 de junho de 2011

RESUMO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR NO CONCELHO DE TONDELA

Como Tondelense (por adopção) e profissional de saúde que fui, tive sempre alguma curiosidade em conhecer a história das instituições ligadas à prestação de cuidados de saúde existentes, nomeadamente a Santa Casa da Misericórdia de Tondela e o seu Hospital de Santa Maria e, depois, o designado "novo" Hospital que teve ao longo dos tempos vários nomes, tais como Hospital da Misericórdia, Hospital Sub-Regional, Hospital Concelhio, Hospital Distrital, Hospital de Cândido de Figueiredo.
A preocupação com a criação de um Hospital que servisse o concelho de Tondela é bastante antiga, mas só a partir 1897, foram dados passos concretos para o efeito, com a criação em Tondela, de uma associação de carácter social, que se organizou com a finalidade de conseguir os meios necessários para pôr em prática essa ideia.

Ao longo de alguns pequenos artigos, que no seu todo correspondem a um trabalho de pesquisa documental que efectuámos durante o ano de 2002 , enquanto membro da Direcção, transmitiremos as conclusões a que chegámos e que de resto foram publicadas num documentário publicado pela Santa Casa da Misericórdia.

Em boa hora este trabalho apareceu, conjuntamente com uma proposta de logótipo da Santa Casa também de nossa autoria, porque os corpos sociais se preparavam na altura para celebrar o Centenário dessa instituição, quando nem sequer tinha completado ainda o seu cinquentenário, como foi demonstrado!

1. A GÉNESE DAS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA

As Misericórdias ou Santas Casas da Misericórdia são as instituições sociais mais genuinamente portuguesas e mais genuinamente cristãs. Surgem em Portugal no ano de 1498, ano em que Vasco da Gama descobre o caminho marítimo para a Índia.

Alguns historiadores se têm interrogado sobre qual destes acontecimentos foi mais importante para nós: se a descoberta de novas rotas que nos trouxe tantas riquezas, se as Misericórdias que vieram proporcionar uma ajuda moral, espiritual e social aos mais desfavorecidos destes bens, acção esta que se prolongou e prolongará através dos séculos.


Não há certezas absolutas de quem partiu a ideia da

criação da primeira Misericórdia em Portugal, nem isso é relevante. Certo é que, no dia 15 de Agosto do ano de 1498, em Lisboa, nos claustros da Sé, na Capela da Nossa Senhora da Piedade,

designada também por Nossa Senhora da Terra Solta, foi fundada a Irmandade da Misericórdia de Lisboa, a qual serviu de modelo e inspiração à criação de instituições congéneres em várias cidades e vilas de Portugal, do Brasil e em outras partes do mundo aonde os portugueses iam chegando.


Como referiu o Conde de Sabugosa, não é muito importante saber-se se a criação se deve ao monge ou à Rainha, «porque os dois corações generosos e caritativos não disputaram primazias, entrando cada um para a empresa com os elementos de que dispunha. Ele com a sua inteligência organizadora, actividade incansável e paixão ardente. Ela com a sua muita piedade e influência e aquela generosidade que a levava a aplicar às instituições que protegia, as rendas próprias e os bens que obteve de mercê real».


Nós acrescentamos que ambos os fundadores se inspiraram, sem dúvida, nos ensinamentos do Evangelho, pois asprimeiras palavras do Compromisso são de proclamação do Altíssimo: «Eterno, Imenso e Poderoso Deus...». O seu estudo conduz-nos às bem-aventuranças do Sermão da Montanha, nomeadamente à afirmação de Jesus Cristo registada em Mateus 5:7 «Bem aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia». Já as catorze obras de misericórdia expressas no Compromisso reflectem o pensamento Católico, e são divididas em dois capítulos as espirituais (ensinar os simples; dar bom conselho a quem o pede; castigar com caridade os que erram; consolar os tristes desconsolados; perdoar a quem errou; sofrer as injúrias com paciência; rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos) e as corporais (remir os cativos e visitar os presos; curar os enfermos; cobrir os nus; dar de comer aos famintos; dar de beber a quem tem sede; dar pousada aos peregrinos e pobres; enterrar os mortos).


1.1 - A Pré-Misericórdia de Tondela

Foi precursora da Santa Casa da Misericórdia de Tondela, uma Associação Filantrópica designada por Sociedade de Beneficência de Tondela, fundada em 24 de Abril de1897, por iniciativa de Inácio Pereira do Vale, com o objectivo de construir um Hospital para os doentes pobres do concelho.

Para que conheçamos melhor aquilo a que poderemos designar por génese da Misericórdia de Tondela, não resistimos em transcrever aqui o que o ilustre tondelense, Dr. Amadeu Ferraz de Carvalho escreveu em 1908 numa brochura intitulada "Hospital do Concelho de Tondela em Construção":

«Partiu a iniciativa do saudoso tondelense, Ignácio Pereira do Valle, homem duma bondade imperiosa e comunicativa, a quem a prática espontânea, constante, sem desfalecimentos de acções generosas, sempre norteada por um são critério moral, era imposta como que por uma necessidade constitucional da própria natureza. Amando como ninguém a sua terra, tendo uma perfeita intuição das suas necessidades e vivamente condoído pelos horrores com que a doença agrava a triste condição das classes mais desfavorecidas, soube congregar em volta de si um grupo de conterrâneos e de pessoas de família que desde logo compreenderam o alcance e viabilidade do seu plano e viram que a sua execução, uma vez posta em começo, certamente seria ajudada por boas vontades dispersas e caridosas intenções

entorpecidas que o exemplo do seu esforço e tenacidade não deixaria de estimular e atrair a uma acção comum.

Constituída assim a sociedade e recebendo do seu inspirador um vigoroso impulso, meteram, sem delongas, os seus resolutos fundadores mãos à obra e passados poucos anos, senhores de um vasto e adequado trato de terreno, de grande valor, generosamente dado por D. Felícia Falcão, senhora de esmerados dotes, cuja falta tanto deplora a pobreza da vila, e dispondo da soma de alguns contos de réis, produto da subscrição iniciada após a fundação da sociedade, abalançaram-se à realização da primeira parte do seu plano, que felizmente conseguiram, pois à custa daquela quantia e doutros donativos que entretanto foram afluindo, já hoje se acha quase concluído o mais importante dos dois edifícios que fazem parte da construção hospitalar projectada

A primeira reunião da Assembleia Geral da Sociedade de Beneficência de Tondela teve lugar do dia 30 de Maio de 1898 e, em 16 de Julho do mesmo ano, reune, pela primeira vez também a Direcção, para a distribuição dos cargos, tendo sido eleito presidente o Padre Ignácio Pires de Mello.


Decidiram nesta reunião abordar no dia seguinte a Senhora D. Felícia da Conceição de Carvalho Falcão, no sentido de saber se estava decidida em oferecer o terreno para a construção do Hospital. E, no dia seguinte, é lavrada uma acta que deixa transparecer uma enorme alegria, pois a Direcção refere ter sido recebida “de maneira afectuosa e cativante” e que a D. Felícia declarou espontaneamente que oferecia para a construção do Hospital desta vila o seu prédio rústico denominado “Portella”, vulgarmente conhecido por “Campo de Manobras”, no limite desta vila, a partir do nascente com a Viscondessa de Tondella.

De referir que esta grande benemérita, falecida em 1903, lega ainda em testamento, a avultada soma de dois contos de réis para a Sociedade.

Em 1915, no dia 18 de Julho, é inaugurado o belíssimo (ainda hoje) e moderno (então) Hospital do Concelho de Tondela, o Hospital de Santa Maria, que se manteve em funcionamento até à inauguração do novo Hospital, em 4 de Setembro de 1955.


Este é um belo exemplo de como a solidariedade humana e a preocupação com os mais desprotegidos, pode vencer os maiores obstáculos!

Porém, sabe-se que se não é fácil construir um estabelecimento deste género, mais difícil é ainda assegurar o seu funcionamento, sobretudo quando os seus serviços são dirigidos àqueles que pouco ou nada podem pagar, e não recebe qualquer contrapartida do Estado. Foi assim a necessidade de sobrevivência do Hospital com ajudas estatais que levou o presidente da Comissão Administrativa da Sociedade de Beneficência de Tondela, Dr. Jerónimo Lacerda, a propor a transformação da Sociedade numa Misericórdia, atentos às grandes vantagens que a estas Corporações são hoje concedidas pelo Governo, em harmonia com o disposto no Decreto número 15809, publicado no Diário do Governo de 2 de Agosto de 1928.


A Assembleia Geral de 28 de Setembro de 1929, presidida pelo Dr. Eurico José de Gouveia, foi apreciada a proposta de transformação apresentada pelo Doutor Jerónimo Lacerda, com a qual a Assembleia Geral concordou e encarregou a Comissão Administrativa de elaborar os Estatutos da Misericórdia.


Apesar desta deliberação, só em 2 de Maio de 1952, 23 anos mais tarde foi apresentado e aprovado o Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Tondela, pela Comissão Administrativa do Hospital de Santa Maria.


Foi ainda em vida da Sociedade de Beneficência de Tondela, que a Comissão do Hospital de Santa Maria, presidida já por António Rosa Fernandes Pinto, adquiriu um edifício no Caramulo para transformar em Sanatório, destinado ao tratamento dos tuberculosos pobres do concelho, pela quantia de 230 contos. Para o efeito foi concedido em 1951, um subsídio do Ministério do Interior na importância de 130 contos. Este estabelecimento passou a designar-se por Casa de Saúde Fonte dos Castanheiros, situado em Paredes do Guardão, (ou Enfermaria-Abrigo do Hospital de Tondela) num lugar ainda hoje paradisíaco. Grande parte do mobiliário para este Sanatório foi oferecido por vários Beneméritos. Foi inaugurado em 20 de Abril de 1952, pouco tempo antes da criação da Misericórdia.


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