quarta-feira, 6 de julho de 2011

MÉDICOS NOSSOS CONHECIDOS


Jerónimo Maria de Lacerda
(1889 – 1945)



O Doutor Jerónimo Maria de Lacerda nasceu no dia 14 de Outubro de 1889 em Coimbra e veio a falecer em Lisboa em 17 de Setembro de 1945.
Era filho do ilustre médico que residiu vários anos em Tondela e deu o seu nome a uma rua desta (então) Vila, o Dr. Abel de Lacerda (Abel Maria de Lacerda).
O que neste artigo não é relatado é o facto de tanto o Dr. Jerónimo, como seu pai, Dr. Abel, terem assumido a Direcção Clínica do Hospital de Santa Maria de Tondela durante vários anos, e de se terem comprometido a tratar ali os doentes mais pobres de recursos, conforme podemos ler no documentário das Comemorações do Cinquentenário da Santa Casa da Misericórdia de Tondela.
Do casamento do Dr. Jerónimo com a Senhora D. Margarida Souto de Castro Alves, em 1 de Março de 1919, nasceram três filhos: João Maria de Castro Lacerda, Maria Arminda de Castro Lacerda e Abel Maria de Castro Lacerda, os quais deram continuidade ao trabalho iniciado pelo Dr. Jerónimo.

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Seguindo o exemplo do pai, médico em Tondela, formou-se em medicina e filosofia em 1915, com altas classificações. O professor Elísio de Moura convidou-o para assistente da faculdade de Coimbra, onde fez o doutoramento em 1916.
Chamado para prestar serviço militar em Angola durante a I Grande Guerra, trocou com um amigo as respectivas guias de marcha e conseguiu ser integrado como médico do corpo expedicionário português, participando na batalha de La Lys, em 1917.
Ao retomar o cargo de assistente em Coimbra, depois da guerra, começou a exercer em Tondela, onde vivia o pai, e na pequena aldeia serrana de Paredes do Guardão, povoação a 800 metros de altitude que hoje chamamos Caramulo, onde se iam acolher pessoas «fracas dos pulmões», procurando alívio e bons ares.
Quando se casou em 1919, passou a residir em Tondela e nos anos seguintes o casal teve três filhos. No entanto, não deixou de se preocupar com a serra, sem estradas, povoada por gente pobre, e sem condições para acolher confortavelmente os doentes. Em 1920 promoveu a comissão organizadora da Sociedade de Propaganda do Caramulo, para a qual convidou pessoas influentes, que depressa formam a empresa comercial Sociedade do Caramulo, interessada na construção de um grande hotel perto das Paredes do Guardão. Construído este em 1922, cedo passa a ser frequentado por nacionais e estrangeiros.
Jerónimo Lacerda mudou-se definitivamente para o Caramulo em 1923, para ficar mais próximo dos doentes e da obra que idealizou e para a qual comprou todos os terrenos disponíveis. Decidido a transformar a região num complexo sanatorial de vanguarda, movimentou-se junto do governo e conseguiu que se projectasse uma rede de estradas e se procedesse à florestação da serra. Mandou abrir furos e minas de água, para alimentar a rede de abastecimento aos sanatórios e casas particulares que iam surgindo, a par de uma certa revitalização das actividades agrícolas. Fez construir uma pequena barragem para fornecimento de energia eléctrica, patrocinou um centro de tratamento de lixo e esgotos (o primeiro a nível nacional), etc. 
A pouco e pouco, sob a sua orientação esclarecida, o Caramulo solidificou a sua reputação como a maior e a melhor estância sanatorial do país e da península.
Em 1928, o hotel passa a chamar-se Grande Hotel Sanatório. O Estado propôs um contrato ao Dr. Jerónimo Lacerda, que era amigo pessoal de Oliveira Salazar: determinado número de camas dos sanatórios mais pequenos passou a ser reservado a funcionários públicos necessitados de tratamento.
As actividades cada vez mais intensas exigiram a criação de uma vacaria com controlo veterinário e matadouro próprio. A pouco e pouco, deu-se a apropriação de grandes áreas da montanha que eram terrenos comunais por particulares e pelo Estado, através dos Serviços Florestais e da Junta de Colonização Interna. A área de pastagens foi reconvertida em terrenos de povoamento florestal. A pastorícia que era um recurso fundamental, entrou em decadência, circunscrevendo-se a certas áreas onde não chegou a floresta.
Em 1933 o hotel foi transformado no Grande Sanatório do Caramulo. A central leiteira inaugurada em 1938 passou a pasteurizar e distribuir o leite que abastecia todos os sanatórios. que também recorriam à lavandaria central, onde a roupa era esterilizada a vapor e lavada mecanicamente. Os alimentos eram conservados por uma rede de frio e as sobras das refeições aproveitadas na engorda de porcos (que não se contaminam com o bacilo de Koch).

As zonas de convívio, os jardins e os parques verdes ajudavam a animar a estadia dos hóspedes do Grande Sanatório. Além disso, a sala de cinema passava filmes e a Rádio Pólo Norte, animada pelos doentes, emitia programas vários. Entretanto, foi instalada no Caramulo a primeira rede automática de telefones do país. Durante a II Guerra, por causa da falta de carvão, foi montada uma central de vapor que funcionava com aparas das serrações e madeira, e que no Inverno aquecia os sanatórios e algumas casas particulares.

Em 1938, havia 20 unidades sanatoriais com capacidade superior a 1100 camas. A estância punha à disposição dos doentes uma farmácia, um laboratório de análises, um centro radiológico, um estomatologista e outros serviços de clínica geral.

Criou-se uma secção cirúrgica especializada, que praticava a colapsoterapia. único processo eficaz na época contra a tuberculose. Aí se fizeram as primeiras tomografias e intervenções cirúrgicas com cirurgiões de renome como o Dr. Luís Quintela e o Dr. Bissaya Barreto.

Com a chegada de Manuel Tápia, famoso tisiológico espanhol, refugiado da Guerra Civil e autor de vasta obra científica, o Caramulo tornou-se escola de formação de tisiólogos, com cursos para estagiários. Em 1938 organizou-se um congresso com 300 médicos, o primeiro de muitos que se seguiram.

A mudança decisiva trazida pelas iniciativas do Dr. Jerónimo Lacerda originou alterações profundas na região: a agricultura tradicional entrou em desestabilização, o despovoamento foi-se verificando progressivamente e aceleraram-se os processos migratórios. Apesar do emprego que se criava com os sanatórios, a crise geral do país reflectia-se também duramente no Caramulo.
Aliás, em cada dez doentes, um era tratado gratuitamente, dando-se preferência aos do concelho. As consultas externas de clínica geral também eram gratuitas para os habitantes da região. Uma cantina dava de comer aos que aparecessem em busca de trabalho, sem família ou com fome. Com o produto da venda da edição portuguesa do seu Tratado de Tisiologia, Manuel Tápia ofereceu tratamento gratuito às crianças do Sanatório Infantil construído por Jerónimo Lacerda.

Com apenas 55 anos, o famoso médico do Caramulo morreu em Lisboa em 1945, vitimado por um enfarto. Não assistiu ao declínio da sua estância, provocado pela introdução da vacina do BCG e o aparecimento dos antibióticos.
O Grande Hotel passou a ser designado Hotel Dr. Jerónimo Lacerda em 1946. O busto do médico encontra-se no Parque Dr. Jerónimo Lacerda, no Caramulo.

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Texto transcrito do livro de biografias de médicos, intitulado "Médicos Nossos Conhecidos" de autoria de Ana Barradas e Manuela Soares, editado pelo Laboratório Medinfar em 2001.