segunda-feira, 6 de junho de 2011

ENFERMEIROS DOUTORES?!...







Há já mais de dois anos que mantenho o meu silêncio nesta página. Não porque tenha esquecido o objectivo que me levou a criar este blogue, mas porque entretanto me tenho distraído com outras actividades, entre elas a "ajudar" a cuidar dos netos.
Queria dizer que me sinto feliz pelo facto deste Blog ter sido entretanto visitado por mais de 20.000 pessoas! E sei que largas centenas destas pessoas, de vários países, fizeram downloads de algumas ilustrações relacionadas com a Enfermagem. Ainda bem!
Ontem, de visita a Tondela, um amigo, perguntou-me se eu concordava, com o que dizia ser uma pretensão dos enfermeiros, de receitar medicamentos.

Devo dizer que tive oportunidade de ler vários artigos sobre esta temática e vi há dias na TV um representante da Ordem dos Enfermeiros a pronunciar-se sobre a mesma. Fui um colaborador activo para a criação da Ordem. Mea Culpa! Não quis acreditar no que li e ouvi! E, não pude deixar de me lembrar daquilo que muitas vezes ouvi acerca dos então novos enfermeiros, que se preocupavam mais em discutir o que deviam ou não fazer em termos de conteúdos profissionais, do que praticar esses conteúdos que lhes eram impostos pela carreira de enfermagem. - Eles querem é ser doutores!... Ouvíamos dizer a algumas pessoas.
Referiam-se aos enfermeiros que "saíam" das escolas com o grau de bacharel e que depois faziam uma especialidade em enfermagem ou adquiriam, por formação ou por avaliação curricular, o grau de licenciatura. Não a todos, como é evidente! Mas alguns existiam que por serem "doutores"- leia-se licenciados, tentavam passar para o pessoal auxiliar algumas funções importantes da enfermagem, como por exemplo, os cuidados de higiene e mudas de fraldas. E digo importantes porque sempre pensei que não devem ser, salvo raras excepções, delegados esses cuidados no pessoal auxiliar (embora o enfermeiro possa e deva ser ajudado por um auxiliar). Imagine-se um homem ou mulher dependente destes cuidados, mas consciente. Não é muito fácil aceitar o desnudar das suas partes púdicas por estranhos. Mas aceitarão facilmente se for o/a enfermeiro/a porque este conhece ou deve conhecer as técnicas de comunicação que visam a humanização dos cuidados. Isto é bem mais importante que prescrever medicamentos.

O enfermeiro está (ou deve estar) preparado para:
  • fazer diagnósticos de enfermagem (identificando as fontes de dificuldade e as manifestações de dependência do doente);
  • prescrever cuidados de enfermagem, técnicos e relacionais para fazer face aos diagnósticos de enfermagem;
  • executar esses cuidados;
  • fazer a avaliação contínua dos cuidados.
Já os Diagnósticos Clínicos, não são da competência dos enfermeiros, assim como não são e nunca deverão ser, na minha opinião, da sua competência, as prescrições terapêuticas.


Fico estarrecido de pasmo quando uma Ordem que deveria pugnar por uma Enfermagem de Qualidade, vem dizer que "tal como acontece noutros países..." mostrando desconhecer totalmente a realidade da formação dos enfermeiros em Portugal. É evidente que há países onde, infelizmente, os enfermeiros "receitam" medicamentos e exames médicos. E essa prescrição vai do totalmente livre à prescrição por protocolos. Será isso sinal de uma enfermagem de qualidade, ou melhor dizendo, de cuidados de saúde de qualidade? Definitivamente, não!

Todos sabemos que qualquer que seja o protocolo ou a limitação da prescrição, a tendência será mais cedo ou mais tarde, para o "totalmente livre".

Eu gostaria de dizer à Ordem dos Enfermeiros que deveria ser ela a primeira a opor-se a esta pretensão de alguns enfermeiros. Que jamais a Enfermagem portuguesa possa regredir ao passado que eu e outros enfermeiros e médicos mais velhos conhecemos, quando nós, em hospitais concelhios e distritais éramos obrigados a diagnosticar, a prescrever e administrar terapêuticas, por inexistência de médico permanente, tanto na chamada urgência, como mesmo nos serviços de internamento.

Dirá certamente a Ordem e os colegas: Este indivíduo é do século passado, bota de elástico, velho do restelo (...).

É por ser quase tudo isto, que sou totalmente contra essa infeliz pretensão. Mas é também por conhecer as limitações dos nossos conhecimentos científicos na área da medicina, que o afirmo.
Não me basta ter exercido enfermagem durante mais de quatro dezenas de anos, ter passado por todas as categorias da enfermagem desde a base até ao topo máximo da Carreira, nem ao facto de ter estudado e ter sido avaliado, entre outras disciplinas, de Fisiopatologia, de Bioquímica, de Farmacologia e de Terapêutica, não só a nível de formação básica, mas também e sobretudo a nível de uma especialidade de enfermagem, em que a maioria dos professores, eram professores da Faculdade de Medicina, que me sinto capazmente responsável para prescrever medicamentos.

Mas é interessante que alguns enfermeiros justifiquem a sua capacidade para estas prescrições (como tive oportunidade de ler em jornais) comparando-se com os médicos, dizendo que eles usam uma cartilha que os enfermeiros também podem usar (!...)

Têm hoje os enfermeiros um campo de actividade invejável, digno e dignificante, com ferramentas para utilização da metodologia científica na prestação de cuidados curativos, preventivos ou de reabilitação. Mas, tal como noutras profissões - e nesta mais justificada -, é imprescindível trabalhar-se em equipa. Nas verdadeiras equipas cada membro que as constitui tem a sua função.

Nas equipas de prestação de cuidados de saúde o enfermeiro tem papel fundamental, porque é o elemento que mais tempo permanece junto do doente. Melhor conhece o doente e sua família. Basta-lhe a sua função de enfermeiro!
A prescrição terapêutica (medicamentosa) é para o médico. É função dele!


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